Por Martihene Oliveira
A comunidade do Coque, no Recife, é um poço de criatividade quando se trata de driblar os problemas sociais causados pela ausência e descaso do Poder Público. Dentro de uma estrutura marginalizada pelo racismo, machismo e outras violências afins, resta à juventude inquieta, que provoca e mobiliza os moradores, investir em tentativas de sanar as consequências desses problemas. Como comunicar é se fazer entendido, as meninas do Coletivo Potências Periféricas encontram na linguagem criativa um jeito interessante de fazer o enfrentamento.
Falar sobre moda, na maior parte das vezes, é algo que atende aos comunicadores e veículos com público-alvo composto de classes sociais distantes da favela. A estética criada pela branquitude que atinge pessoas negras, gordas e pobres, por exemplo, sempre foi uma forma agressiva da sociedade segmentar a temática, mesmo sendo a favela, território onde se encontra maior parte destes grupos, responsável por movimentar mais de R$200 milhões da economia brasileira, conforme aponta a Pesquisa Data Favela, divulgada em março de 2023 pela Expo Favela.
O coletivo Potências Periféricas, composto por quatro mulheres da comunidade do Coque mas fortalecido por várias mãos femininas, sendo estas de mulheres cis, trans, negras e de periferia, utiliza a comunicação popular em um formato criativo para falar de moda. Como afirmam Nilza Lima e Maroca Cavalcanti, integrantes do coletivo e comunicadoras popular, “quando a gente mostra a potência que temos por trás de todo o julgamento de nossas aparências e mostramos o belo em si, as pessoas tendem a repassar nossa mensagem e a continuar perpetuando as coisas que aprendem nos nossos eventos”.
Os eventos de que Nilza e Maroca falam vão desde desfiles de moda no território a oficinas de tranças, saraus, rodas de diálogos, entre outros repletos de música e entretenimentos que atraem o povo preto e periférico. “Midiaticamente vemos o nosso povo sendo taxado como algo negativo, julgam nossa estética mesmo se apropriando dela. O Potências tenta trazer de volta a aceitação e o se enxergar belo buscando a nossa ancestralidade”, afirmam elas.
Para quem é comunicador popular, além da criatividade de fazer muito com pouco, é importante ter uma fala objetiva e acessível, que se comunique com pessoas cujos corpos, cor, cabelo, roupas, território e até mesmo a linguagem são marginalizados pela sociedade. Dentro de um padrão estético branco, falar de moda do jeito que a favela entende, é também uma forma de enfrentamento.
Foi assim que, em parceria com o Coletivo Slam das Minas de Pernambuco aconteceu o Desfile Estética Favelista, em abril deste ano, na Praça do Coque, com mulheres diversas, fruto de muito engajamento e da criatividade do Verdin Brechó, comandado por Nilza, e do Mão Afetiva, trabalho realizado por Sabrina Félix, que encantou moradoras e moradores. “O desfile resgata referências da moda nos anos 2000, com uma estética que criamos voltada para a periferia que vem mostrar suas características e estilos de formas diversas, trazendo a diversidade e a potencialidade da nossa favela e periferia. Com looks que foram sucesso e viraram tendências como peças coloridas, estampas camufladas, a cropped que era a queridinha da década, acessórios ousados como os famosos body chain que estão aparecendo de novo com tudo e, até hoje, são muito usados por aí. Com isso propomos esse resgate de estilo transmitindo uma postura jovial e criativa na cultura urbana”, afirma a página do Potências.
Para as mulheres, o Potências é fruto de muita garra e luta, com eventos realizados por recursos próprios das integrantes. “Só com colaboração de amigos que acreditam no rolê, como o evento da moda favelista mesmo, que não teve incentivo de nenhuma instituição além da Verdin Brechó…por moda ser algo taxado como coisa de marca, é bem difícil falar sobre na comunidade, mas não impossível inserir essa moda consciente e fazer com que a população se identifique como estilosa”, complementam.
Outros parceiros, como a Rede Coque Vive, o grupo de fotógrafas Revelar.si, o Coque Vídeo, além do Ipad – Seja Democracia e do Instituto NU também já atuaram em outras mobilizações do grupo.