A pluralidade do rádio apontada pela comunicação comunitária da Aconchego

Por Martihene Oliveira

Engana-se quem pensa que o rádio se restringe apenas ao aparelho utilizado pelos avós, que ficou parado no tempo, acordando a família no maior volume possível, ou pelo torcedor apaixonado, que, mesmo longe do estádio, consegue visualizar cada lance do jogo de um jogo de futebol. Nas comunidades, há comunicadores e comunicadoras explorando uma pluralidade de experiências e possibilidades deste veículo de mídia.

Para o comunicador social Gustavo Cabrera, da Rádio Comunitária Aconchego, o rádio se refaz. Caminha, às vezes, em passos discretos, mas está sempre vivo, tornando-se um forte aliado da comunicação popular. Seja através da internet, com a rádio web, por exemplo, ou até mesmo pela rádio expandida, com áudios curtos de vinhetas e jingles que ajudam a disseminar informação para o público via aplicativos como o WhatsApp, as possibilidades são muitas. 

Gus Cabrera entrevista Lídia Lins (Coletivo Ibura Mais Cultura). Foto: Martihene Oliveira

Gus, como é conhecido Gustavo Cabrera, afirma e comprova com inúmeros exemplos que há várias maneiras de se fazer rádio. O podcast, queridinho dos sujeitos de hoje, é rádio. Já em lugares sem eletricidade, uma bicicleta, com um caixa de som no bagageiro, rodando pela comunidade fazendo jus à importância das anuncicletas, é rádio. A rádio alto-falante, com caixas de som espalhadas pela comunidade, transmitindo ao vivo, como já diz o nome, também é rádio.

Criada em 2015 por um grupo de amigos, a Rádio Aconchego, usa a tecnologia livre para informar e produzir conteúdos para a periferia sem políticos ou empresários que ditem o que eles, emissores, devem comunicar para o público. 

Gus é um comunicador argentino que, desde 2014, caminha pela periferia do Recife e Região Metropolitana, fortalecendo a comunicação popular com sua voz em companhia de um pequeno equipamento e poucos recursos, num desafio comum aos inúmeros veículos de comunicação independentes e populares de Pernambuco e do Brasil afora. 

Em meio a essas reflexões,  o integrante da Aconchego, conversou com a equipe do Mapa da Mídia Independente e Popular de Pernambuco:

A Rádio livre é diferente da Rádio Comunitária?

Gus Cabrera – Rádio livre vai pelas ondas FM, mas a rádio poste, por exemplo, também é livre. A livre está mais preocupada com quem fala, que nesse caso é o emissor — ‘eu sou o  emissor e falo o que eu quiser’. Já a comunitária se preocupa com quem recebe, funciona mais como um serviço. O objetivo é informar a comunidade. Se preocupa mais com o interesse da comunidade, mesmo que ela não esteja atrelada a um território. Se a rádio é desterritorializada, ela faz comunicação e outras práticas. Já na rádio comunitária não vamos falar qualquer coisa, se é comunidade LGBTQIA +, por exemplo, vamos falar de interesses dessa comunidade. Nós, da Aconchego, tentamos juntar os dois conceitos, não separar. Muitas vezes ser livre se confunde com rádio pirata, porém pirata quer dinheiro, as rádios comunitárias não têm dinheiro. Tem um ditado das primeiras rádios livres, acusadas de serem piratas, que diz assim: “Piratas são eles (as grandes corporações de mídias), nós (das rádios livres e comunitárias) não estamos atrás do ouro”. 

Antiga frequência da Rádio Aconchego. Foto: Arquivo Aconchego

O que é a Rádio Comunitária Aconchego e qual o trabalho que ela desenvolve em parceria com outros coletivos?

Gus Cabrera – A Rádio Aconchego é uma infraestrutura de comunicação comunitária que leva serviços para além dos limites de um equipamento. Sua atuação se iniciou nos bairros de Roda de Fogo, Sítio das Palmeiras e Engenho do Meio, com o estúdio localizado dentro do Serviço Integrado de Saúde (SIS). Trabalhamos com temas como saúde integral, software livre, soberania tecnológica e comunicação popular. Trabalhamos muito em parceria com outros coletivos, como foi o caso de algumas oficinas que aconteceram em Paulista, com o Escambo Coletivo. Também já fizemos oficinas de rádio comunitária com a Livroteca Brincante do Pina, o Sítio Ágatha, as Cabras, a Casa Thainá, em Campinas, o Salve Casarão da Várzea, dentre muitos outros.

A sintonia da Aconchego era a FM 88,1 ou 88,5, porém, desde novembro de 2020, paramos de transmitir pelo ar. É possível encontrar diversos programas, 24 horas por dia, no site radioaconchego.org. Há produtos criados para a rádio que são fruto de formações com estudantes de Educação Nutricional da UFPE. Nós sempre estivemos muito presente no SIS para estimular a participação comunitária, porque a gestão é tripartida. Tem representantes da UFPE e também da prefeitura do Recife, além das práticas comunitárias e dos usuários do SIS. Nesse espaço, já fizemos cineclubes, oficinas de cartazes, lambes, serigrafia e rádio, né? No Coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste, fizemos uma formação sobre rádio comunitária para criar a rádio poste; na Livroteca Brincante do Pina, ajudamos com a tecnologia livre e o transmissor FM.

Mulheres do SIS em conversa no espaço da Rádio Aconchego. Foto: Arquivo Aconchego

Sobre comunicação como um direito, você pode comentar esse conceito?

Gus Cabrera – Comunicar é um direito. No nosso entendimento temos o direito legítimo de comunicar protegidos pela Constituição, pelos Direitos Humanos e enquanto não estamos atrás de lucro ou de fundar um partido político e nem de formar uma ideia religiosa fechada, botamos a voz para a comunidade. Lei é uma coisa que, se pensar na história do Brasil e do mundo, a escravização e o nazismo eram “legais” (respaldados pelas leis), e olha o que era aquilo, né? Estamos em um cenário difícil para rádios independentes e populares porque há uma lei de radiodifusão comunitária (9.612/2008) que traz a concessão de uma rádio comunitária restrita a um território, fechada, que ocupa o mesmo canal de frequência com outras rádios comunitárias. É como se todas as rádios do Recife, se fosse por essa diretriz, tivessem que tocar na 87.9 e 88.1, por exemplo. E aí, se tem mais de uma ou duas, você supõe que estariam concorrendo, né? Essa lei também proíbe a publicidade, bota a ideia de apoio cultural mas isso não permite a autossustentabilidade do espaço, né? O que dificulta pra caramba. Outro problema é a burocratização jurídica: precisa de uma associação como figura jurídica para poder pleitear uma licença. E para participar dessa associação, o presidente, por exemplo, tem que morar em um raio de apenas 1 km² da sede da rádio. São várias restrições que nos limitam.

Analisando o cenário e desafios enfrentados pelos radialistas de hoje qual a importância das rádios independentes e populares nesse contexto?

Gus Cabrera – As rádios estão atuando em um cenário crítico, são muitas AM’s que se tornaram FM’s, isso restringe o alcance. A AM tem uma cobertura regional, a FM é mais restrita. A gente, da Aconchego, não consegue detalhar demais porque não estamos em disputa de frequência, mas isso pode complicar um pouco porque se tem mais participação da FM, complica o cenário das rádios comunitárias e livres. Eu acho que o cenário é bom para o rádio no sentido da produção de podcast, né? Há anos atrás, se a gente olhava pro rádio e pensava que ele estava morto, hoje a gente vê que cresceu um novo modo de produzir áudio, produzir um programa e tal, e um diferencial é a produção de podcast. Produzir um programa que você pode descarregar e ouvir quando quiser e não o áudio que você escuta em tal horário e em tal momento é legal para favorecer a prática.

Gus Cabrera entrevista Eduarda Nunes (Agência Retruco). Foto: Martihene Oliveira

Tenho um coletivo e quero atuar com rádio para a minha comunidade. Como fazer uma rádio livre/rádio poste?

Acho que o primeiro passo, que seria ter um grupo ou coletivo, já foi dado, mas você precisa ter interesse em saber como uma rádio comunitária funciona. Tem a questão da técnica, se é preciso usar um programa, como editar. Tem que ter curiosidade para aprender e praticar, botar a boca no trombone. Fazer e depois refletir o que deu certo e o que não, para poder corrigir e melhorar. Uma coisa que soma muito é o espaço. Se tiver um espaço para ter o equipamento e organizar a rádio, o coletivo já terá dado um grande passo”.

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