Por Martihene Oliveira
O mês em que mais se fala sobre violência de gênero é o mês de março. No Brasil e no mundo, o dia 8 é uma data que vai além da celebração – já que a luta das mulheres para não serem objetificadas é um assunto internacional que se arrasta por décadas. No Brasil, os números de feminicídio gritam com três mulheres assassinadas diariamente. Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022 confirmam que a cada 7 horas uma mulher é morta somente pelo fato de ser mulher, deixando o país no 5º lugar do ranking de feminicídio mundial.
Entendendo isso, mesmo sem acesso simples e fácil às estatísticas, as mulheres do Coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste, localizado no bairro do Bongi, no Recife, reinventaram o 8M que acontece todos os anos no centro da capital de Pernambuco, estado que em 2021 classificou 37,4% dos homicídios de mulheres como feminicídio.
Entre os becos da comunidade Caranguejo Tabaiares, território onde vivem, as integrantes do coletivo caminharam segurando cartazes e faixas, promovendo apitaços, passeando pelas pontes, abordando moradoras de porta em porta e alertando sobre o que é a violência contra a mulher, que apesar de ser mais conhecida pela agressão física e o feminicídio, último estágio de atividade do agressor em relação à vítima, também envolve a violência sexual, psicológica, patrimonial e moral.
A maior parte dos casos dos assassinatos de mulheres por questões de gênero acontecem dentro de casa, praticados por companheiros e ex-companheiros (81,7%), segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Foi por esse motivo que Sarah Marques, coordenadora do Caranguejo Tabaiares Resiste, junto com outras mulheres, incentivou um movimento no local, mais objetivo e direcionado, feito para as mulheres das comunidades.
“Nós queríamos fazer dentro do nosso território porque não tínhamos condições de levar todas as mulheres para participarem do 8M que iria acontecer no Parque 13 de Maio, então, fazendo essa marcha no nosso local de convívio, a gente teria condições de entrar dentro das casas dessas mulheres e falarmos do grito, da importância do dia 8 de março e das mulheres terem outras mulheres para fazerem barulho sempre que necessário”, afirmou Sarah.
Vale dizer que o número de mulheres mortas por questões de gênero é crescente. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública comparou o crescimento dos registros de feminicídio no país entre os anos de 2016, com 929 casos; e 2021, quando atingiram1.354, mesmo que na contagem daquele ano e de 2020 (1.330 casos) tenha sido observada uma leve queda de 1,7% para cada 100 mil mulheres vítimas de mortes como esta, somando um total de 2.695 mulheres assassinadas pelo machismo somente na contagem desses dois anos.
Daniele Lins foi uma das integrantes do coletivo que coordenou o movimento que abriu portas para outros do mesmo tipo que já estão sendo programados para este ano a partir desta primeira experiência: “Isso foi de suma importância. Essa foi só a primeira do ano, queremos empoderar outras mulheres, com marchas e apitaços na rua. Mesmo que não consigamos moldar todas elas, mudando a realidade de uma já vai ser muito válido pra a gente”, disse.
A ideia, segundo elas, durou só uma semana para ser executada. Várias mulheres da comunidade foram convidadas a construir cartazes e faixas que as representassem e passassem a mensagem que elas queriam entregar para as vizinhas, parentes e amigas que não estavam envolvidas na marcha: “Foi uma semana de organização. Muitas não entendiam quando a gente chegava nas casas, mas quando entregamos o mimo com o 190 para denúncia de violência, elas se ligavam”, relatou Daniele, com a fala embargada quando lembrou de inúmeras situações de violência que vivenciou.
“Eu penso que devo fazer por essas mulheres o que não fizeram comigo. Me silenciaram e me culparam por muitos anos pelas agressões que eu sofria. Quando entrei no coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste, consegui sair de uma casa de família onde era escravizada e humilhada, com diversas cicatrizes de relacionamentos abusivos, violência sexual e outros danos. Quem olha pra mim hoje não imagina que passei por tudo isso, mas sei o que é a violência de gênero na pele e o que é querer falar e ser silenciada”, afirmou.
O 190 da Polícia Militar do país, em 2021, registrou 23 mil novos chamados para denúncias de violência doméstica, uma variação de 4% a mais do que nos outros anos e com média de uma ligação desse tipo de denúncia por minuto. O fenômeno multiplicador foi a pandemia, com o fator do isolamento social, mas isso também provoca a reflexão para dois questionamentos: ou a polícia estaria mais sensível para diferenciar as denúncias de violência contra a mulher, sejam estas por questões de gênero ou por outros motivos, ou cada vez mais pessoas estão se incomodando com mulheres em situação de violência e denunciando.
O Coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste é um coletivo formado por uma equipe de sete pessoas, sendo cinco mulheres e dois homens, atendendo 80 mulheres do território juntamente com suas famílias. Segundo Daniele, são mulheres pretas, periféricas, algumas que não sabem ler nem escrever. Elas se envolvem com a comunicação comunitária do coletivo através de oficinas que geram fonte de renda e também da horta comunitária que alimenta diversas famílias do local. A equipe já se deparou com diversos relatos e situações de violência de gênero na comunidade, fossem estes reconhecidos pelas vítimas ou não, explica a ativista, citando casos de mulheres que não entendem que estão sendo agredidas.
“Eu só quero que as mulheres me escutem, preciso que elas escutem a minha realidade e saibam que não devem se intimidar pela vergonha e pelo medo de serem julgadas por outras. Mulheres, não julguem quando escutarem o relato de outras, precisamos do apoio das mulheres porque os homens já têm muito apoio na sociedade”, concluiu Daniele.
Para a marcha das mulheres na comunidade, o coletivo Revelar-si e a Revista Amazônia também se uniram ao Caranguejo para a produção de registros fotográficos e audiovisuais.