O Coquevídeo e a construção de vínculos em oposição à visão estigmatizadora das periferias

Em entrevista para o portal do Mapa da Mídia Independente e Popular de Pernambuco, integrantes do Coquevídeo contam a trajetória do grupo na formação e também produção audiovisual que parte da comunidade do Coque.

Conheça um pouco da história do coletivo, a diversidade e o impacto de suas produções fílmicas, a metodologia de troca dos cursos “em que todes aprendem, crescem e constroem juntes”, os grupos e coletivos parceiros e os projetos do novo ciclo.

Por Martihene Oliveira

O que é o Coquevideo, território onde atua e como surgiu?

Mekson Dias e Chico Ludermir – O Coquevídeo é um curso de formação e experimentação em audiovisual que acontece no Coque desde 2019. Nessa edição, que começamos no segundo semestre de 2022, além dos encontros regulares que já estão acontecendo, também oferecemos algumas oficinas abertas. O curso traz de volta para a periferia a produção audiovisual/artística que nos foi roubada e que sempre nos coloca como sujeitos inferiores ou insuficientes.

Ao mesmo tempo em que tem investigado uma pedagogia própria – atravessada por uma perspectiva também periférica de ensino – o Coquevídeo tem possibilitado a criação de construções fílmicas outras que se opõem a uma visão colonizada e estigmatizadora. Gradativamente, temos nos construído também como um coletivo autônomo e independente de produção audiovisual que parte de dentro do Coque – uma favela incrustrada no centro do Recife – mas que rompe as barreiras sócio-históricas e desorganiza mecanismos sofisticados de exclusão que passam invariavelmente pelo jogo das representações.


Quem são as pessoas que fazem parte da equipe? Possuem formação em audiovisual ou foram se descobrindo?

Mekson Dias e Maria Réupi – A equipe do Coquevideo é diversa e reúne pessoas com formações, experiências profissionais e de vida diferentes. Das pessoas que compõem esse núcleo atualmente, algumas são graduadas em Comunicação e Cinema, outras cursam Artes Visuais no IFPE. Entendemos a importância desse tipo de educação formal, mas a formação que acontece dentro das favelas e em tantos espaços culturais, de trabalho ou de educação não-formal são tão importantes quanto. Como muito bem diz o artista Jeff Alan “A arte periférica não se aprende nas universidades”.

O Coquevídeo, junto ao Revelar.si: coletivo de fotógrafas do Coque, são as principais ações de comunicação realizadas a partir do Neimfa (Centro comunitário atuante no Coque desde a década de 1980) atualmente. Porém, nossas intervenções na área da comunicação começaram há 17 anos, a partir de um projeto de extensão da UFPE denominado Coque Vive. Ao longo desses anos, desenvolvemos muitas ações na área como cineclubes, cursos, formações, exposições, festivais, publicação de livros, pesquisa e muitas produções audiovisuais.

Dentre muitas ações, também realizamos em parceria com o Ação Darmata o curso de formação em audiovisual e cultura de paz chamado “Fazer o Mundo Fazendo Vídeo” no Cabo de Santo Agostinho, de 2014 a 2016. O “Fazer o Mundo” foi a uma experiência pioneira e inspiração para o Coquevídeo. Parte da equipe que ou coordenava ou foi aluna desse curso, se tornou a equipe gestora do Coquevídeo.

Pode me falar um pouco sobre quem é o público-alvo? Há algum impacto percebido através do trabalho de vocês?

Maria Réupi – As pessoas que fazem nosso curso são, em sua maioria, adolescentes e jovens moradores da comunidade do Coque, mas também estamos abertos para pessoas de outras comunidades.

O impacto que percebemos com nosso trabalho é uma via de mão dupla, pois acreditamos que a formação se dá num processo de troca em que todes aprendem, crescem e constroem juntes. Uma palavra que gostamos muito de falar é a palavra “vínculo”. Acreditamos que a formação se dá na vinculação, a partir do afeto. Então esse é o principal elemento que nós vemos.

Os jovens gostam de estar no Coquevídeo, sentem falta nos períodos de recesso, porque, acima de tudo, gostamos de estar juntas e juntos, aprendendo, criando, mas também se divertindo. Todas as atividades de formação que acontecem no Neimfa têm a preocupação de serem não apenas formações técnicas. Nós nos preocupamos com questões mais profundas sobre o estar juntos numa sociedade individualista e permeada por várias violências, ligadas a questões de gênero, raça e classe. Assim, para nós, fazer audiovisual juntes é também intervir nessa realidade na perspectiva de construir outras formas de vida atreladas ao amor e a solidariedade.

Qual o objetivo de vocês quando apresentam os conteúdos para o público e qual o objetivo de vocês quando inserem novos integrantes no projeto?

Maria Réupi e Ivich Barrett Queirolo – Os conteúdos que produzimos têm perspectivas bem diversas. Por exemplo, com a produção do videoclipe Brega-Protesto: Sem destruição -, nós realizamos uma intervenção política direta contra o despejo de famílias da comunidade Caranguejo Tabaiares. O vídeo serviu como ferramenta política direta, pois ele tratava dessa remoção com uma linguagem jovem e descontraída. Rapidamente o vídeo bombou na internet trazendo muita repercussão pro caso. Tanto que o prefeito anunciou a interrupção das obras.

Entretanto, como havíamos dito, nossas produções são muito diversas – tanto do ponto de vista da forma quanto do conteúdo. Os filmes variam entre documentários, vídeos-artes, ficções, videoclipes. Muitos dos alunos são negros e LGBTQIAP+, corpos políticos cuja existência é perpassada por diversas violências estruturais mas que, definitivamente, não podem ser definidos pelo rótulo da carência. Ao contrário: são pura potência. Através dos filmes temos a oportunidade de entrar em contato com discursos incríveis. Vemos e ouvimos através de seus olhares aguçados e sensíveis. São visões de mundos, de vida e de arte indispensáveis.

Existe alguma mudança da edição do Coquevídeo de antes para a edição que foi retomada agora? Por que a mudança?

Ivich Barrett Queirolo – Entendemos que nossa pedagogia, as atividades e dinâmicas que propomos aos jovens, não podem vir pré-formatadas para serem aplicadas rigidamente. É nos espaços de troca, na convivência com os/as jovens, que vamos tentando decifrar o melhor caminho a seguir. O Coquevídeo se tornou um fluxo contínuo de formação, e com o passar do tempo, essa porosidade necessária ao espaço de formação se confirmou ainda mais.

Começamos como um curso dividido em eixos relacionados ao trabalho de criação audiovisual (imaginar, olhar, escutar, performar e montar), que contava com uma equipe fixa de coordenação e educadores e educadoras, mas também com muites convidades, profissionais do audiovisual e artistas de várias áreas e lugares diferentes que ofereceram oficinas pontuais e nos provocaram a experimentar linguagens, técnicas, equipamentos, exercitar nossa criatividade e conhecimentos e dar vazão a nossas ideias em obras audiovisuais. Hoje essa dinâmica ainda está presente, mas nosso foco agora é gerar um laboratório de criação audiovisual onde es jovens possam realizar seus filmes de maneira estruturada e que as oficinas realizadas estejam mais voltadas para as necessidades dos projetos.